quinta-feira, maio 25, 2006

O vôo da Pegasus e a Queda de Bagdá


Battlestar Galactica
Originally uploaded by f_mafra.
Venho dizendo há um tempo que Battlestar Galactica é a melhor série dramática da televisão, e o episódio transmitido pela TNT essa semana não só corrobora essa afirmação como eleva a qualidade da série a um patamar ainda mais alto.

Antes de tudo, digo aos desavisados que o nome indica o gênero da série: Trata-se de ficção científica. Mas não se deixe levar por isso, continue lendo ao menos. Entendo como isso pode ser um desestímulo para muitas pessoas, difícil de vencer. Mas também devemos lembrar que o trunfo do gênero é a capacidade de abstrair, extrapolar e intensificar questões muito palpáveis e apresenta-las sob um véu de fantasia um pouco mais fácil de engolir. Lembrando de filmes como 2001, Blade Runner, Alien, Gattaca e Exterminador do Futuro fica mais fácil entender o que quero dizer.

Nos idos anos 60, quem carregava a tocha da “ficção científica inteligente” era Jornada nas Estrelas. Pode parecer bastante ridículo para as platéias de hoje, e requerer um grau maior de suspensão de descrença aos vermos os fiozinhos segurando a Enterprise no espaço; mas a série detém muitos méritos por apresentar questões polêmicas, personagens instigadores e tecnologias inexistentes até então que hoje consideramos padrão (para não usar o inglês “take for granted”). E se você não tem um gosto especial pelo gênero ou pela história da cultura pop é perfeitamente compreensível que não se sinta atraído pelo Spock de pijamas.

O tempo passou, Star Trek continuou em outras encarnações mas não é mais um sucesso, diluiu-se e perdeu a graça até mesmo para fãs. Várias séries passaram pela telinha desde então, inclusive roubando o título de inovadora que Star Trek costumava ter.

Agora é a vez de Galactica. Relativamente desconhecida no Brasil, ela tem um sucesso respeitável nos EUA, lá, séries produzidas por canais não costumam vingar (o sistema de syndication reina, onde uma produtora faz tudo e vende para diversos canais), com nobres exceções, entre elas praticamente todas as séries da HBO. Galactica é uma delas, e não é à toa.

As séries que estão na boca do povo são Desperate Housewives, LOST e 24 horas. Um triunvirato massacrante e que tomou conta do Brasil também. Mas é uma pena que Galactica não esteja na grade da população.

Embora essas três séries tenham seus méritos e tenham momentos de brilhantismo que as tornem únicas, elas passam longe da nobreza de Galactica. E eis o porque: Galactica é uma série para adultos. Realmente o é. Não deixe seu filho de 10 anos vendo aquelas naves dando tirinhos umas nas outras, pois a cena seguinte pode marcá-lo para o resto da vida. Ficção Científica é um gênero que carrega um estigma semelhante ao de Histórias em Quadrinhos e Desenhos animados. E quando surge um representante que consegue romper as barreiras daquilo que é esperado, ao invés do público reconhecer a qualidade e o mérito, ataca, pois teme que aquilo irá fazer mal para as criancinhas. Sim, pode até fazer, mas não é para elas que é feito, é para você.

O que separa Galactica dessas Três (com T maiúsculo mesmo) está em uma simples palavra: Entretenimento. As Três não vão muito além disso. Entretenimento bem feito, como James Bond ou Piratas do Caribe, mas ainda sim puro entretenimento. Depois que você desliga a TV pode até continuar pensando, mas pensará dentro do universo da série, em Galactica, você pensa no mundo a sua volta.

Alguns podem dizer que LOST leva você a pensar em questões como destino e outras porcarias de nova era, e isso pra mim é papo de geração Matrix. Esse tipo de assunto até é coberto em Galactica, mas ele não é o fim, é apenas um meio para falar de algo maior. Quando falei que era uma séries de adulto, não estava falando de senas de sexo gratuito ou violência descomedida, estava falando de reflexão.

Vejo por aí pessoas falando na importância dos personagens nas mais diversas produções, como eles são a chave para o sucesso delas. E em boa parte é verdade. E a força de Galactica também está aí, em personagens críveis e em roteiros bem feitos. Roteiros muito bem feitos. E não se tratam de inúmeros heróis que são apenas caricaturas de si mesmo ou dos grupos que representam (como “o cara negro”, “o gordo bonachão”, “o cara árabe”, “a mulher mandona”, “o covarde”, “o nerd”, e por aí vai), são pessoas, como aquelas que encontramos em qualquer lugar. Apesar da história ser completamente mirabolante, os protagonistas dela são muito mais verossímeis do que qualquer personagem de novela ou de livro do Jorge Amado.

E chegamos ao episódio dessa semana, “Pegasus part I”, quem não viu vai ter que caçar na internet ou esperar a TNT reprisar. E esse episódio me deixou de queixo caído, literalmente. Eu costumo me empolgar diante da TV com as séries que gosto, confesso, vibro com Jack Bauer torturando alguém, mas durante Galactica essa semana, eu fiquei completamente silencioso. Não havia o que dizer, não havia reação, foi como se um punho saísse da tela e me desse um soco na cara.

Não irei dar Spoilers, se esse texto serviu de alguma coisa, você irá tentar ver essa maravilha da telinha. Mas tenho que comentar. A moral da história é: Abu Ghraib. Fazia muito tempo que eu não via uma peça de ficção (não necessariamente científica) tratar um tema atual de forma tão contundente e bem expressada, o filme V de Vingança tentou e falhou miseravelmente, Galactica saiu triunfante. E você pode ser perguntar: O que um seriado sobre naves espaciais tem em comum com o Iraque? Muito.

O que acontece quando você coloca sua gente em um lugar hostil e desconhecido, em que tudo que ela sabe ou pode fazer é lutar sem parar, sem saber exatamente o por que, nem com que propósito? O que virá depois da vitória? O que será construído? Sua gente sabe construir alguma coisa, ou apenas lutar? A luta acaba se tornando uma justificativa para si própria, luta-se para manter a mente ocupada, pois se parar para pensar no assunto, percebe que não há esperanças. Se um dia a guerra acabar, o que você vai fazer? Se o inimigo se rende, você demonstra misericórdia?

A cabeça fica tão condicionada, bitolada, que qualquer outro traço de humanidade vai pelos ares, e quando a oportunidade de se demonstrar maior que seu inimigo se apresenta, você sequer lembra que pode fazer isso, você aproveita para provar que o inimigo não é humano, não é digno de compaixão, e no processo perde sua própria humanidade.

Isso é uma ponta de Galactica, e até agora, o ápice, ao menos na minha opinião. O patamar acaba de ser elevado, e tenho firme esperança de que não serei decepcionado. Se você ficou curioso, vá atrás, o DVD da mini-série piloto e da primeira temporada está pra sair no Brasil, e a segunda temporada está rolando na TNT e na internet. Pegar a série andando será confuso no começo, especialmente se pegar este episódio, portanto corra e descubra você mesmo, mas aviso que “Pegasus Part I” não é para os de estômago fraco ou mente vazia, se você assistir passar batido você ou é insensível ou um burro.

3 comentários:

Anónimo disse...

aquele dia vc me deixou curiosa, agora fiquei com vontade de assistir...

T++

mrcsh disse...

Você não imagina a vontade que eu fiquei de ver esse episódio após ler o seu texto.
Pena que eu ainda estou na 1a temporada... =(

Anónimo disse...

"Depois de milhoes de anos..."

Se algum dia vc tiver a 1a. temporada em um formato copiável, me fale, gostaria de tentar experimentar. =)