sexta-feira, janeiro 09, 2004

Boa Noite no Albergue

boa noite no albergue

Pego o metro para a rodoviária. Estou lendo. Qual livro? Não importa. Pra mim é um livro importante, de que adianta esfregar na cara dos outros o quanto leio e o que leio? Isso pode até me fazer eu me sentir importante, e no pedaço do blog com mais detalhes sobre mim até tem os livros que estou lendo lá, mas está desatualizado, é sem propósito. Eu leio pouco mesmo, eu posso mentir também, se eu falar que estou lendo um livro muito absurdo poucos dos meus amigos terão saco de ler e muito menos irão ficar fazendo um quiz.

Lendo meu livro eu estava. E interessado também, grifando passagens. Chegou um grupo de mulheres jovens, o lugar ao meu lado está vago e elas discutem sobre quem irá tomá-lo, em uma falsa cordialidade, oferecendo o assento na esperança de que seja negado podendo assim tomá-lo para si. A discussão demora, aparentemente é necessário ouvir multiplas negativas para aceitar sentar-se, e é então que um mendigo entrou no vagão e lancou a mão sobre meu braço apoiado no metal ao lado do meu banco. Ele balbuiciou algo que não entendi, sequer fiz esforço para tal. Sem hesitação ele encerrou a discussão feminina e sentou-se ao meu lado.

Visivelmente alcoolizado ele não parava de falar. Fosse bradando qualquer coisa que lhe viesse à cabeça (mais constantes eram as referências ao corinthians) ou se dirigindo às pessoas em volta, principalmente duas moças sentadas nos bancos adjacentes.

Em dado momento ele se levantou até a porta, e no caminho tropeçou levemente no meu pé esquerdo, então abaixou, acariciou-o, levantou, colocou a mão sobre minha mochila e me disse algo, que não entendi ou me esforcei para tal. O mendigo seguiu seu caminho para a porta, onde conversou rapidamente com um homem parado lá. Voltou a sentar-se ao meu lado e foi quando começou a rasgar seda.

"Você é um dos maiores e melhores brasileiros que existe". Foi algo nesse estilo que ele me disse, talvez tenha dito até que eu era o maior. Me disse outras coisas, mas eu sempre ficava voltado para meu livro.

Então ele despediu-se, segurou-me pelo pulso direito e beijou meu braço "até logo". Passando pelo meu lado para sair pela porta à minha esquerda ainda beijou minha cabeça, dizendo tchau, ao qual eu finalmente respondi. Troco olhares com outros passageiros, que respondem com um sorriso equivalente ao meu.

Ah, ele disse também que estava dormindo num albergue: boa noite.

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