quinta-feira, dezembro 13, 2007

Da necessidade de civilidade aérea nacional

Esse texto foi originalmente publica no Overmundo e removido poucas horas depois.



A crise aérea aparentemente passou, e essa semana o assunto entre as companhias aéreas e a Infraero é a possível aquisição do novo Airbus A-380, o recém-lançado maior avião de passageiros do mundo. Mas com ou sem crise aérea, a questão maior é: Temos a capacidade de suportar o uso de uma aeronave desse tamanho?
Estive no aeroporto de Cumbica na terça-feira para conhecer esse mamute dos céus, apenas um dia depois de voltar de uma viagem não livre de incidentes de incompetência. O ponto que quero fazer é simples, mas para compreendê-lo terão que me aturar nesse pequeno diário de viagem:

Na sexta-feira em que parti já houve problemas, não por parte da companhia, mas por parte dos próprios passageiros. Após aguardar cerca de 15 minutos em uma organizada fila, tive o desprazer de ser passado para trás por um trio de passageiros que deixara seu amigo na banheira da fila enquanto eles iam fazer sabe-se lá o que. Quando terminaram seus afazeres simplesmente se juntaram a ele e passaram na minha frente como se não houvesse problema algum. Quando chego ao aeroporto, minha primeira atitude é o check-in, todo o resto pode esperar, afinal estou ali para pegar um avião, não para fazer compras, navegar na internet ou flertar com atendentes de companhias aéreas.

Sempre há um espertinho. Quando se trata de filas e esperas, os adeptos da “lei de Gerson” sempre saem de suas tocas. No recente programa “Aeroporto 24/7” retratando o aeroporto de Cumbica não faltam exemplos de passageiros impacientes sem motivo algum que não conseguem compreender que existem outras centenas de pessoas ali com os mesmos direitos e restrições.

Após alguns atrasos de praxe, a aeronave onde estava ainda foi atrasada ainda mais pois uma misteriosa passageira despachou suas malas mas não embarcou. Tivemos que aguardar enquanto sua suspeita bagagem era removida do porão. Obviamente diversos resmungos de indignação foram proferidos pelos que estavam no avião, sem parar para pensar um minuto no possível risco que uma mala sem dono pode representar para suas vidas. Não sou paranóico, e acho difícil acontecer algum atentado a bordo no Brasil, mas é melhor prevenir do que remediar. E a espera nem foi tão longa, mal terminou o aviso do capitão, já estávamos em movimento.

Mas a experiência mais indignante foi o regresso à São Paulo. Não vem ao caso anunciar qual de aeroporto eu parti, apenas que ele existe, e pertence a uma capital. No check-in, duas filas: Uma modesta e outra ofensivamente quilométrica. A lógica aplicada era a seguinte: Aguarde na fila absurda, quando o check-in para seu vôo estiver perto do fechamento, vá para a fila menor. Ou seja, se você chegar civilizadamente cedo e esperar na fila que mais parece um xingamento, você corre o risco de ter que mudar para a outra depois de esperar umas duas horas e ficar atrás de um sujeito que acabou de chegar.

Com esse sistema estupendo, em um vôo marcado para partir as 11:35, meu check-in foi realizado as 11:15, e o horário de embarque no cartão era de 11:05. Procurei mas não encontrei a máquina do tempo. Na sala de embarque sequer encontrei bancos o suficiente para comportar a quantidade de pessoas esperando, acomodei-me no chão frio e duro como muitos outros. No alto-falante, dois anunciantes diferentes brigavam por atenção em um sistema de som com péssima qualidade e quase incompreensível, em diversos momentos falando ao mesmo tempo. Após a troca de portões, afobados formaram uma fila inútil ao saber que a aeronava estava em solo. Me acomodei novamente no chão, e levantei-me apenas ao abrir das portas, e embarquei junto com aqueles que decidiram ficar meia hora em pé.

O resultado final foi que cheguei a São Paulo apenas as 14:30. Acordando no mesmo horário e pisando fundo, teria gasto o mesmo tempo de carro. E na chegada, mais papelão dos passageiros: Mesmo sendo avisados da não-permissão todos sacaram seus celulares para conversas importantíssimas do tipo “já cheguei, estou no avião.” Com total conivência dos comissários. No trajeto da aeronave até o terminal, um sujeito teve a proeza de realizar quatro ligações telefônicas, todas as quais poderiam ter sido feitas enquanto aguardava sua bagagem ou no táxi. Na esteira, famílias de cinco pessoas tinham a necessidade de ficaram inteiras na beirada da esteira, afinal, apenas uma pessoa não pode pegar as malas enquanto os outros aguardam confortavelmente; e surpresa: ninguém falava ao celular. E na saída das bagagens não havia viva alma para me assegurar de que não estava roubando a mala de ninguém.
Isso tudo aconteceu em um Boeing 737-800, com capacidade para 189 passageiros. Em sua configuração mais folgada um A-380 carrega 525 pessoas, e na mais apertada, 853. Além disso, o 737 é o avião mais popular do mundo, com um pousando a cada a cada cinco segundos com mais de 1,250 aeronaves sempre no ar. Se não possuímos a capacidade de manejar um vôo na aeronave mais comum de todas, como faremos para a maior e mais incomum?

É uma questão de ostentação. Coisa que nós brasileiros adoramos. Antes de arrumar o vazamento do banheiro, compramos um iPod. Antes de reformar os aeroportos e treinar os profissionais, compramos um avião monumental.

Tudo que se discute sobre a adoção nacional do A-380 são questões como tamanho da pista ou quantidade de rampas de acesso, mas e a educação? Visitando a aeronave tive a oportunidade de conhecer os bastidores de Cumbica, e notei o bom-humor e boa vontade de inúmeros funcionários, que entendem as limitações e riscos envolvidos em se estar em um aeroporto. E quanto aos passageiros?

Se um vôo de 200 pessoas atrasou tanto, imagine um com 800. Com ou sem A-380 os passageiros brasileiros ainda precisam aprender muito sobre civilidade. O sistema aeroviário tem um equilíbrio delicado a ser mantido, com questões logísticas e de segurança a serem observadas. Claro que uma ligaçãozinha depois que o avião pousou não o fará cair, mas se você dá a mão, logo querem o braço. Quanto mais permissões você dá, e mais complexas as regras, mais fáceis elas são de quebrar.

Passageiros se comportam como crianças, furando filas, dando chiliques, se achando mais importantes que todos os outros à sua volta. E não irão mudar esse comportamento facilmente. A responsabilidade disso está com os profissionais ali presentes, controladores, comissários, pilotos e atendentes. Eles não são isentos de culpa, e a desorganização do meu regresso é a prova disso. Respeito se adquire com excelência, faça sua parte bem e exija o mesmo dos outros.

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